VAI PLANETA!
Benchy#7-> Não é só AI que consome água, Aquecimento Global, Capitão Planeta 2.0, Cases e startups.
"VAI PLANETA!”
Quem foi criança na década de 90 vai lembrar desse bordão.
Se o Capitão Planeta fosse atualizado para os dias de hoje, além da harmonização facial, fico pensando se ele também não estivesse aflito com a ideia de ser substituído por uma inteligência artificial — ou desanimado após o sétimo meme seguido sobre como a vida depois dos 30 é terrível e no decorrer do dia ainda ter que encarar um cenário climático desesperador. Talvez, por tudo isso, ele já estivesse exausto e pronto para arrumar as malas e ir embora de vez.
Dito isso, sinto um incômodo com essa história do Studio Ghibli [já comentei sobre isso por aqui] e com o alarde recente em torno do uso de água pela inteligência artificial. O que me pega é o que ficou de fora da conversa: TUDO consome água — não só a IA.
Portanto… será mesmo que SÓ a IA vai acabar com a água do mundo? E como esse gasto se compara ao de outros produtos e serviços que usamos todos os dias?
Afinal, desde a produção de um carro [entre 35.000 e 50.000 litros de água] até UM único hambúrguer [cerca de 2.400 litros]1, litros e litros de água são consumidos. O mesmo vale para os serviços digitais — inclusive as redes sociais, onde nós Brasileiros passamos boa parte dos nossos dias também consomem MUITA água.
Encontramos alguns dados sobre o consumo de água por redes sociais2 e em um artigo científico indicado pela Forbes3 sobre a questão de gasto de água das inteligências artificiais4. Com base nesses dados, conseguimos estimar o consumo de água por hora de uso em três serviços digitais populares:
ChatGPT, quando usado de forma intensa (com 10 a 30 prompts por hora), consome entre 5 a 30 litros de água por hora. Cada prompt gera um gasto estimado entre 0,5 e 1 litro.
Instagram, com navegação comum entre feed, stories e reels, consome em média 7,2 litros de água por hora — uma estimativa baseada em 0,12 litros por minuto de uso.
TikTok, com vídeos curtos em autoplay contínuo, é ainda mais “sedento”: o consumo chega a 16,2 litros por hora, considerando uma média de 0,27 litros por minuto.
Então, podemos usar IA à vontade, já que ela consome quase tanto quanto as outras? A resposta curta: não. A resposta longa: precisamos repensar nosso uso de todas elas.
A inteligência artificial consome muita água, já que seu processamento é mais pesado. Porém, se passamos mais tempo em redes sociais, precisamos entender que isso também representa um gasto significativo.
Algumas empresas como META, Google e Microsoft têm metas agressivas para que até 2030 alcancem uma pegada neutra em suas emissões de carbono e no uso da água.
A OpenAI ainda não entrou nessa onda. Apesar de utilizar a infraestrutura da Microsoft via Azure, neutra em carbono desde 2012, ainda falta transparência sobre o impacto hídrico da operação. Seria interessante ver a empresa se comprometendo com respostas mais sustentáveis para o desenvolvimento de tecnologia no longo prazo.
Antes era sobre carbono, agora é sobre água?
Na verdade, as duas realidades sempre existiram. A pegada de carbono apenas ganhou mais espaço na mídia e nas políticas públicas — com eventos como a COP e o Acordo de Paris — e virou o centro do debate. Mas isso não significa que a pegada de água não mereça ou não precise de destaque.
A principal diferença entre as duas é:
Pegada de Carbono → O carbono, ligado à queima de combustíveis fósseis, é responsável pelo aquecimento global. Se estamos enfrentando ondas de calor, tempestades mais fortes e secas prolongadas, o CO₂ é o principal culpado. O diferencial é que o efeito estufa é global: se um país não se compromete a reduzir suas emissões, isso afeta a todos, independentemente da localização.
Pegada de Água → Já o consumo de água tem impactos principalmente locais. Ele esgota fontes específicas e afeta diretamente o acesso à água potável — e, diferentemente do carbono, não pode ser compensado onde há escassez.
O que isso significa? Que sim, temos que nos preocupar com os dois ao mesmo tempo. O desafio da sustentabilidade é enorme e complexo — e justamente por isso, difícil de entender. Cada vez mais buscamos respostas simples, mas dentro do campo da sustentabilidade [e de muitos outros], elas simplesmente não existem.
Por isso, se fôssemos imaginar o Capitão Planeta em 2025, quais seriam os cinco anéis do poder capazes de fazê-lo levantar das cinzas hoje para nos salvar de um abismo climático? dito isso…
“VAI PLANETA PLUS MAX GO”
Levando em consideração os desafios que enfrentamos em 2025, de acordo com o último Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial5. Não é o Batman, Capitão America, Super Homem nem os Avengers que nos salvariam do nosso fim iminente, mas sim o Capitão Planeta. Porém ele precisaria de um update em todos os seus anéis para que eles correspondessem a problemas reais e atuais.
O primeiro anel seria o da luta contra o carbono e o aquecimento global — símbolo máximo de uma era em que o ar-condicionado virou item de necessidade. A queima de combustíveis fósseis, a dificuldade da transição energética, a negação das mudanças climáticas e a inação do poder público seguem como os grandes vilões da história. E, além disso, há efeitos colaterais pouco falados, como a acidificação dos oceanos: o CO₂ absorvido pelas águas altera seu pH, comprometendo cadeias inteiras de biodiversidade — como é o caso da morte em massa dos corais.
O segundo anel trata da luta contra a perda de biodiversidade e o colapso dos ecossistemas. Não se trata apenas de espécies em extinção, mas de cadeias inteiras desaparecendo. É também sobre a depredação acelerada dos recursos naturais, que não conseguem se renovar na mesma velocidade em que são consumidos. Isso inclui a destruição de habitats, como a derrubada de árvores em larga escala, e crises interligadas como a hídrica — hoje agravada, inclusive, pelo avanço da inteligência artificial e a pressão que seu consumo impõe sobre os sistemas de água no planeta.
O terceiro anel, surpreendentemente [ou não], representaria a luta contra as fake news. Um dos maiores riscos globais de curto prazo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Ele simboliza a crise de percepção e a saturação de narrativas falsas, levando ao colapso da confiança nas instituições e à manipulação crescente da sociedade civil. Também é um anel que toca diretamente em temas como a polarização, os ataques à ciência e a grupos historicamente vulnerabilizados — como a comunidade LGBTQIAPN+.
O quarto anel seria contra os conflitos geopolíticos. Vivemos um cenário global marcado por instabilidades: guerras como a da Rússia contra a Ucrânia, o conflito entre Israel e o Hamas — que impõe uma destruição brutal sobre os palestinos —, além de disputas econômicas como as guerras tarifárias iniciadas durante o governo Trump, que ainda reverberam e têm o potencial de empurrar o mundo inteiro para uma recessão. Esse anel lembra que não existe sustentabilidade possível sem cooperação global — e que paz também é infraestrutura básica.
Por fim, o quinto anel que combateria a: Desigualdade. O que une quase todos os outros temas é a forma como os impactos recaem de maneira desigual sobre quem tem menos poder, voz ou recursos. É um anel que denuncia os abismos sociais, raciais e econômicos que tornam o futuro insustentável mesmo antes do colapso ambiental acontecer. Fala sobre justiça climática, reparação histórica e o direito básico de imaginar um futuro viável — para todos, não só para alguns.
Com a união dos 5 aneis, eis que surge o Capitão Planeta PLUS MAX GO. Ele não só transforma o planeta, ele transforma sistemas, empodera pessoas e impede que o planeta vire um app freemium com ecossistemas pagos por assinatura, é um baita desafio para um único super herói.
Tem Startups fazendo a diferença
Porém temos que ser otimistas, já falei em outras edições sobre empresas inspiradoras como a Seabound, que trabalha na descarbonização de navios, ou a ClimeWorks, que captura carbono diretamente da atmosfera — e ainda permite que qualquer pessoa colabore comprando créditos no site. Também trouxe reflexões sobre inovação no SXSW e destaquei empresas como a Uluu, que desenvolve substitutos para o plástico.
E enquanto o Capitão Planeta PLUS MAX GO continua preso no sofá vendo memes, aqui vão mais algumas startups e iniciativas que merecem atenção: seja por terem ganhado prêmios de inovação, seja por estarem propondo soluções criativas e relevantes para os desafios que enfrentamos.
CIRCULOR
A Circulor é uma startup que usa blockchain para rastrear TODA a cadeia de suprimentos de um produto — do início ao fim. Saber exatamente de onde veio cada matéria-prima envolvida na produção, trazendo transparência para processos industriais que, historicamente, operam em zonas cinzentas.
Isso significa conseguir verificar, por exemplo, se um mineral usado em uma bateria foi extraído de forma ética, ou se um material reciclado realmente passou por um ciclo sustentável.
A Circulor atua em setores como o automotivo, mineração e eletrônicos — onde a rastreabilidade virou não só um diferencial, mas uma necessidade urgente para quem quer construir cadeias mais responsáveis.
BASI-GO
A BasiGo é uma startup do Quênia que aposta em algo que raramente ganha os holofotes quando falamos de inovação: transporte público.
Mais especificamente, ônibus elétricos acessíveis, pensados para os contextos urbanos da África. Em vez de soluções individuais, como carros ou patinetes, a BasiGo propõe um futuro onde a mobilidade coletiva é limpa, eficiente e adaptada à realidade local. E isso é potente — porque sustentabilidade não pode ser só para quem tem carro elétrico na garagem. A atuação da startup também ajuda a reposicionar o continente africano como fonte de soluções, e não só como lugar onde os problemas acontecem. Inovação real, com impacto direto.
AECTUAL
A Aectual, com sede na Holanda, transforma resíduos em arquitetura. A empresa desenvolve soluções modulares e personalizadas para interiores usando impressão 3D e materiais reciclados — criando desde pisos até fachadas e mobiliário para lojas e espaços comerciais.
A lógica circular está no centro de tudo: os materiais podem ser devolvidos, reciclados e reimpressos em novos projetos. É um exemplo elegante e funcional de como design, sustentabilidade e inovação podem caminhar juntos — sem perder estética, escala e impacto. Uma prova de que o “bonito” também pode ser “responsável”.
ALTYN DALA
Proteger uma área natural não é só cercar um pedaço de terra. A Altyn Dala, iniciativa do cazaquistão que venceu o Earthshot Prize 2024, atua na conservação das vastas estepes da Ásia Central e na recuperação de espécies como o antílope saiga.
Funciona por meio de uma coalizão entre ONGs, governo e cientistas, que trabalham com base em dados, criação de corredores ecológicos e envolvimento ativo das comunidades locais. O foco não é apenas preservar espécies, mas cuidar de ecossistemas inteiros mostrando que conservar é tão ecológico quanto político e social.
BLOCI CARBON
A BlociCarbon une agricultura regenerativa e blockchain para criar um mercado transparente de créditos de carbono no Reino Unido.
A startup trabalha com fazendas para gerar créditos de carbono reais, rastreáveis e auditáveis, tudo registrado em blockchain, evitando problemas como dupla contagem e greenwashing.
No fim das contas, pensar sustentabilidade em 2025 é entender que não existe solução fácil. Talvez o maior poder que temos hoje não seja o de invocar um herói com anéis mágicos, mas o de olhar para o todo, questionar as narrativas fáceis e agir onde podemos.
Mesmo que seja começando por mudar um hábito, apoiar uma startup, ou simplesmente compartilhar uma ideia que faça alguém pensar diferente. Que a gente continue tentando — porque o planeta não precisa de mais salvadores, precisa de mais gente disposta a agir com consciência.
NOTAS: Sempre há mais para ler — aqui estão alguns dos conteúdos mencionados ao longo deste artigo, caso você queira expandir seu conhecimento.