Surra, egos e prompts
Benchy#8 -> Explorando o valor da crítica, da fricção, o feijão com arroz dos prompts e da intenção no uso da inteligência artificial
CRESCER PELO ATRITO
Hoje, além do pensamento fixo no show da Lady Gaga no Brasil, tem algo sobre inteligência artificial ocupando boa parte do meu cérebro nos últimos dias. O maior valor da IA não está em criar ideias — mas na forma como ela pode nos ajudar a brigar com as ideias que já temos. Consigo traçar uma linha clara entre meu uso da IA antes e depois de um único prompt:
A partir de agora, quero que atue como um crítico confiável e colaborativo. Em todas as nossas conversas, não me dê respostas apenas para agradar. Questione o que eu disser com profundidade, identifique pontos fracos, proponha melhorias e apresente perspectivas alternativas que possam enriquecer meu raciocínio. Use um tom respeitoso, mas direto. Seu papel é me desafiar a pensar melhor e sair do óbvio.
Depois desse prompt, pedi para a IA comentar uma nova proposta que estava criando. Desta vez, não veio um afago nem o viés de confirmação de sempre. Foi uma surra e ao repensar a partir da crítica, concordei.
Receber críticas nunca é fácil. Elas nos expõem, nos desconstróem. Nos tiram do conforto do cargo, dos anos de experiência, das certezas que sustentam nosso status. Mas é justamente esse desconforto que deveria ser mais valorizado por nós na nossa rotina e nas empresas onde atuamos [em todos os níveis, especialmente nas lideranças].
“Como esse coordenador ousa me questionar?”
Frases como essa ainda são comuns. Nas consultorias que conduzo, vejo frequentemente que quanto mais alto o cargo, maior o ego e maior a resistência ao feedback. A verdade é que hoje, qualquer pessoa com pensamento crítico e uma boa IA ao lado pode desbancar até o mais experiente executivo.
Vivemos uma era onde se espera que líderes promovam ambientes seguros para o erro e incentivem a inovação. Mas será que estão prontos para serem desafiados por sistemas que também expõem mais do que validam? [Sistemas que apontam falhas em decisões estratégicas ou que sugerem rotas alternativas com base em dados que ignoram o ego ou o crachá].
Por isso, cada vez mais, de nada adianta construir uma cultura onde o feedback só circula em uma direção. A IA confronta a estrutura como um todo. Líderes também precisam subir no palco para tomar uma surra de feedback de vez em quando — se quiserem continuar relevantes em um mundo que também questiona a sua existência.
A vulnerabilidade é a nova coragem — desde que venha acompanhada da disposição de abrir mão do controle e sustentar o desconforto de não ter todas as respostas.
Ser desafiado nos coloca em um lugar de incerteza e medo, mas é justamente essa exposição que pode nos diferenciar [e garantir nossa relevância]. O que importa não é o tempo de casa ou o cargo que ocupamos, mas é a capacidade de sustentar ideias, trabalhar em equipe com foco real em resultados e cultivar um pensamento crítico contínuo.
Apresentar uma ideia para uma IA e vê-la desmontar cada linha pode ser desconfortável, mas também é treino, um treino valioso para a vida real: revisar, melhorar, escutar, argumentar. Porque o trabalho do futuro está cada vez menos ligado à execução e mais à estratégia, à capacidade de pensar com clareza, colaborar com inteligência e criar com um objetivo claro. Aceitar críticas construtivas é se permitir crescer [inclusive quando feitas por uma IA].
Crescer no atrito pode ser desconfortável, mas altamente eficiente. Precisamos que nossas ideias sejam questionadas. Um fluxo sem resistência é um fluxo sem evolução. Pense em trabalho, vida pessoal — são justamente os momentos difíceis, de fricção, que mudam a direção da nossa história.
Treinar a IA para só concordar com nossas ideias é sedutor. Nos poupa desse atrito, economiza tempo e protege nosso ego, mas quando usamos a IA como espelho e não como contraponto, estamos reforçando exatamente o comportamento que criticamos nas empresas — o da cultura que evita conflito real e disfarça alinhamento com silêncio. Uma IA submissa é só mais uma camada de vaidade operando no piloto automático [e pior: com aparência de eficiência].
O PROBLEMA DA NEUTRALIDADE
Podemos pensar inteligência artificial como um espaço vazio, assim como um escritor molda um livro em branco à sua frente, onde cada capítulo depende da sua intenção.
A IA não tem intencionalidade [ao menos por enquanto]. Isso significa que, mesmo reunindo todas as informações possíveis em seu modelo neural, sua principal característica continua sendo uma neutralidade inicial e neutralidade, quando temos metas claras, não é virtude, é risco.
É só através da interação humana que o potencial da IA se revela. Sem visão, intenção e contexto, mesmo o sistema mais avançado é incapaz de entregar algo que realmente importe. Por isso, a IA se conecta diretamente aos nossos limites e também à nossa experiência. Quanto mais repertório temos, mais refinada é a nossa capacidade de fazer a pergunta certa, mas é importante lembrar: experiência só vale quando não se torna âncora pois dentro de um contexto de constante mudança, até o conhecimento precisa ser reinterpretado.
Em um mundo de inteligência artificial, deveríamos passar mais tempo cultivando nossa curiosidade. A criatividade nasce da vontade de aprender, de buscar alternativas, de se expor a novas referências. Mas não basta acumular só conteúdo, a criatividade vem do atrito entre ideias, do choque entre visões opostas, da fricção entre o que sabemos e o que ainda não compreendemos.
Também precisamos ser criteriosos com o que a IA nos devolve. As alucinações são mais comuns do que gostaríamos [ já que a IA pode inventar, distorcer ou entregar respostas medianas com aparência de precisão]. Portanto confiar cegamente é comprometer o resultado. O pensamento crítico não é opcional, é a única forma de garantir que a ferramenta trabalhe a nosso favor.
E, por fim, lembrar que ainda existem territórios onde os LLM's não alcançam: o conhecimento tácito. Aquele que não se escreve nem se ensina, mas se carrega na pele, na escuta, na vivencia, no paladar e no tempo. Um ativo silencioso de quem viveu mais do que apenas leu.
O FEIJÃO COM ARROZ DOS PROMPTS
Agora com um pensamento prático, além de ensinar a IA a trabalhar de forma crítica, a maneira como passamos as instruções muda radicalmente o resultado. Pedir mal, nesse contexto, é quase uma escolha e é aqui que entra a arte do prompt.
A internet já está cheia de textos, vídeos que falam sobre o tema, mas vale lembrar o mais simples: um bom prompt é menos sobre fórmulas e mais sobre clareza, intenção e contexto, que é basicamente o que esse vídeo de youtube traz com um pai respondendo a instruções dos seus filhos na hora de fazer um sanduíche.
Para ir além da teoria, pedi ao ChatGPT que listasse os cinco pontos de atenção que devemos ter na hora de criar um prompt e pensei em um prompt ruim para cada situação:
→ 1. FOCO
Me fale tudo com profundidade e realidade sobre como conseguir viajar para o Rio de graça, como ganhar muito dinheiro em dois dias para viajar, ver a Beyonce e também me diga se a Lady Gaga pode aparecer na janela do meu quarto com uma pizza na mão ao mesmo tempo como conseguir um VIP para o show dela no Rio.
É facil nos perder em nossa própria confusão mental, a IA também não vai conseguir te entregar nada com profundidade se você pedir cinco coisas ao mesmo tempo.
→ 2. CONTEXTO
Me dá uma ideia para a Lady Gaga.
Uma ideia pra quê? Com que tom? Com que objetivo? A IA só é boa quando entende com profundidade. Converse como se estivesse falando com alguém que chegou agora e não entende nada sobre o projeto que você está criando.
→ 3. PAPEL DEFINIDO [ROLE PLAY]
Escreva uma carta para a Lady Gaga
Dizer para a IA quem ela deve ser [ex: “Você é um romancista premiado”] já muda completamente o caminho do que será entregue. A personificação ajuda a IA com uma entrega mais focada em uma referencia e de acordo com suas expectativas.
→ 4. TOM E FORMATO
Quero a carta com um texto bonito pra Lady Gaga
Bonito é subjetivo. O que é bonito pra você pode ser raso pra outro. Quer algo inspirador, direto, ácido, irônico, poético, técnico? Então diga isso e se quiser uma resposta em formato de lista, manifesto ou e-mail, diga também. A IA entende forma, mas você precisa orientar com precisão.
→ 5. FEEDBACK E ITERAÇÃO
Lady Gaga não gostou da carta. Faz outra.
Diga o que não funcionou. Críticas construtivas são tão importantes para humanos quanto para máquinas. Refinar com base no que recebeu é parte do processo. A IA melhora à medida que você melhora seu próprio filtro. Prompt também é diálogo.
PROMPTS ALÉM DO ATRITO
A inteligência artificial é um playground de testes infinito, muita coisa segue no campo da experimentação. O que torna essa tecnologia particularmente potente é sua capacidade de ser moldada sob medida — por quem usa e para o que se quer alcançar.
Mas a pergunta segue em aberto: que outros prompts estão sendo usados por aí? E que valor real eles têm gerado?
Abaixo, alguns exemplos coletados de conversas e práticas compartilhadas — sugestões que mostram como o uso criativo e estratégico de prompts pode expandir possibilidades no dia a dia.
No fim das contas, é disso que se trata: explorar.
Se você tem um prompt que faz parte da sua rotina e mudou sua forma de pensar ou trabalhar, mande para nós.
→ Melhores Briefings, melhores respostas
Pedir para a IA gerar perguntas antes de responder o que foi pedido é uma ideia simples, mas que pode refinar o conteúdo gerado.
Antes de responder qualquer solicitação, faça pelo menos duas perguntas para entender melhor o contexto, o objetivo e o tom desejado. Só depois de obter essas respostas, gere o conteúdo. Seu objetivo é refinar as necessidades logo no início para melhorar a qualidade e a assertividade da entrega.
→ Alucinação e informação falsa
As IAs são conhecidas por gerar informações falsas — o famoso alucinar. O prompt abaixo ajuda a mitigar esse risco, mas ainda assim, nada substitui a verificação em fontes confiáveis.
Faça uma lista de afirmações sobre o conteúdo pesquisado. Depois, para cada uma, avalie:
(1) quão confiável é essa afirmação?
(2) há fonte confiável para ela?
(3) existe risco de alucinação?
Liste qualquer evidência usada.
→ Criar é também editar
Otimize a etapa criativa pedindo logo de início diferentes versões, com variações de tom e uma análise crítica da própria IA. Isso não só economiza tempo, como também ajuda a refinar seu próprio pensamento sobre o que funciona melhor.
Me dê 3 versões a partir do briefing enviado, uma deve ser [poética], uma [irônica] e uma [super direta e técnica]. Use linguagem natural e fuja do óbvio.
Após gerar as três versões, analise criticamente cada uma delas e diga qual cumpre melhor o objetivo de comunicação [clareza, originalidade e impacto]. Justifique com base no tom, público e proposta.
→ Comparar para pensar melhor
Pedir comparações ajuda a IA a sair do lugar comum e organizar melhor os prós, contras e contextos de aplicação. Um bom prompt comparativo força priorização e traz contraste — o que também ajuda no seu processo de decisão.
Compare três abordagens diferentes para resolver esse problema ou atender a esse objetivo. Para cada uma, liste vantagens, desvantagens e o contexto ideal de aplicação.
→ Evite o óbvio
Às vezes o segredo não está no que se pede — mas no que se quer evitar. Deixar claro o que não deve aparecer em uma resposta ajuda a IA a fugir do genérico e dos clichês.
Crie uma ideia ou solução que evite os clichês mais comuns associados ao tema. Liste explicitamente o que deve ser evitado e proponha alternativas com mais originalidade.
→ Mude o olhar
Reescrever um conteúdo sob uma nova lente gera deslocamento de perspectiva. Isso ajuda a pensar com mais profundidade e a encontrar ângulos que talvez tenham passado despercebidos.
Reescreva esse conteúdo a partir de [uma nova perspectiva] ou [área de conhecimento]. Mantenha o conteúdo principal, mas adapte o tom, o foco e o tipo de análise com base na nova lente.
→ Mostre o que você espera
Se você tem um exemplo do que considera um bom texto ou estilo, mostre isso. A IA aprende por padrão e exemplos modelam o tipo de entrega desejada com mais precisão do que adjetivos soltos.
Use este exemplo como referência de estilo: [exemplo]. A partir dele, escreva um novo conteúdo com estrutura, tom e ritmo semelhantes.
→ Simule tensão
Pedir à IA que explore diferentes pontos de vista [inclusive os contrários] ajuda a desenvolver argumentos mais robustos e menos previsíveis. Isso vale para artigos, scripts, brainstorms ou testes de hipótese.
Liste diferentes pontos de vista sobre esse tema. Para cada um, destaque os principais argumentos, os riscos envolvidos e o impacto que essa perspectiva pode gerar.
→ Mude o olhar
Um bom conteúdo nasce da clareza de quem vai receber a mensagem. Ao pedir algo, indique para quem a IA deve escrever — isso afeta vocabulário, tom e profundidade.
Reescreva esse conteúdo como se fosse para um gerente de produto cético, pragmático e com pouco tempo. Mantenha as ideias, mas ajuste a linguagem e o tom.
O que vale destacar, no fim das contas, é que talvez seja hora de tirar um pouco o foco da IA e voltar a atenção para a nossa própria comunicação. Pode parecer simples, mas esse é um problema mais comum do que parece e ironicamente, treinar com a IA pode nos ajudar até nisso.
Diante dessa transição tecnológica, talvez a habilidade mais estratégica siga sendo a curiosidade. A vontade de aprender, de questionar o status quo e de seguir crescendo mesmo quando tudo muda o tempo todo. A IA pode ser uma aliada nesse processo, desde que a gente pare de usá-la apenas para confirmar o que já acredita.
E de novo trago isso quase como um mantra: não é a execução que nos mantém relevantes, mas sim a clareza do que propomos, a força criativa do que imaginamos e a nossa disposição de crescer e seguir aprendendo.